Depois das dicas para organizarem a viagem para Paris,
aposto que ficaram com vontade de aqui vir dar um saltinho e já têm as
passagens reservadas. Sim, sim, eu sei que a cidade é aliciante ao máximo, não
apenas para os casais apaixonados, como Hollywood insiste em mostrar, mas
também para qualquer espírito viajante, que gosta do pequeno e do grande, “à
francesa”, expressão que entenderão passeando por estas bandas, como dizia uma
amiga minha. Se apanharem um domingo que não seja o primeiro do mês, dos museus
gratuitos, ou simplesmente se não quiserem estar enfiados num espaço apenas
durante todo o dia, vão por mim: Domingo, é no Marais!
O Marais, durante vários séculos, foi o bairro favorito da
aristocracia, que nele montou as suas mansões. Os “Hôtels” que virem por aqui
não são hotéis de hoje em dia, para pernoitar, mas sim casas sumptuosas onde
habitavam famílias endinheiradas e que são, actualmente, museus e espaços de
visita. Só pela imponência das casinhas dos nobres de antigamente, já valeria
dar um pequeno passeio pela região. Mas o Marais é muito mais!
Após a mudança da nobreza para a região de Faubourg-Saint
Germain, do outro lado do rio, e pertinho da famosíssima Torre Eiffel e do seu
idílico Champs de Mars (perto do qual encontramos, por exemplo, o Museu Rodin,
casa de Abraham Peyrenc de Moras, pessoa
abastada ligada ao mercado financeiro no final do século XVIII, início do XIX),
o Marais foi descoberto pela comunidade judaica que, até à mancha escuríssima
que foi para a história da Humanidade, dita racional, o regime nazi (e que,
infelizmente, não reina sozinha no mundo do horrível e do que causa vergonha ao
mais desligado ser humano), aí prosperou e cresceu. No final da guerra, tínhamos
um bairro destituído da vida que outrora albergava, agora remetido a região
operária.
Sendo uma das regiões mais fustigadas pelos ataques, temos,
nos anos 50, um Marais ferido e a necessitar de reparações profundas, que fez
com que DeGaulle o considerasse, já nos anos 60, um sector a ser salvaguardado
e recuperado, dada a sua importância cultural. Seguem-se os restauros. As
antigas mansões albergam hoje museus e um dos seus espaços, deu lugar à região onde vemos agora um dos monumentos de visita obrigatória, o Centro de Arte Moderna Georges Pompidou.
Pondo a parte histórica de lado, porque é importante saber
como chegámos ao bairro fantástico que temos hoje, mas não é apenas isso que
lhe dá o brilho, encontramos, actualmente, um Marais onde afluem e se encontram
as comunidades judaica, gay, chinesa, com o toque artístico dado pelas várias
galerias pelas quais por lá passamos. As lojas mais famosas, hypes, algumas exclusivas, têm morada pelas ruas onde outrora os nobres se passeavam, mostrando que se
tornaram espaços de moda, criadoras de tendências.
Há, por tudo isto, qualquer coisa de fabuloso nos passeios
de domingo no Marais. Em primeiro lugar, porque, dada a forte influência
judaica, parece ser a única região de Paris que acorda e se move nesse dia.
Quem não conhece Paris, estranhará, mas há uma inércia dominical, de tradição
conservadora católica que assusta. Quase tudo fecha, e a cidade entra num
estado de entorpecimento, só quebrado com a vida fervente de algumas regiões,
sendo o Marais, para mim, um destino de excelência.
Para um dia bem passado, e uma caminhada diária que aqui em
casa adoramos, aconselho o pequeno almoço no hotel, ou numa boulangerie perto
do local onde ficarem, seguido de um passeio matinal pelo Jardin des Tuileries.
Entrar no Jardin pelos Champs Elysées, passando o obelisco, e avistar ao longe
a imponência do Louvre, aquele que foi, outrora, a residência real e imperial,
é, de facto, merecedor de lembrança. Pelo caminho, as fontes e as estátuas
mostram-nos a elegância tão distintamente francesa, e podemos ainda avistar, do
lado direito, a fachada do Musée d’Orsay, antiga estação de comboios, que nos
faz viajar para tempos idos, quando entrar na cidade onde até os relógios são
dignos da realeza exuberante devia ser avassalador.
Segue-se então a entrada da Rue du Rivoli, do lado esquerdo
do Louvre, que nos transportará ao Marais. Gosto particularmente de deixar para
trás o espaço turístico para ver um Paris diferente, que mostra a sua
multiculturalidade residente, não a de visita, com o que tem de bom e de mau.
Caímos na realidade de uma capital com os seus sem-abrigos que se reúnem, em
convívio, a jogar cartas, por cima das grelhas de saída de ar quente do metro,
única forma de aguentarem o rigor do inverno francês. Uma realidade que nos
acorda do estado inebriado pelo cenário idílico e sumptuoso que tem o Louvre.
Ao domingo, as lojas estão fechadas, excepto em alturas específicas do ano, pelo
que a nossa atenção poderá estar totalmente focada nas gentes e nos espaços de
uma cidade secular. Sem outras distrações, apreciamos a imponência do Hôtel de Ville
(Câmara Municipal) e outros espaços históricos pelos quais passamos.
Entramos no Marais, normalmente, pela rua em frente à saída
da estação de metro Saint-Paul (fica a dica para quem lá quiser ir ter
directamente), e passamos pela maravilhosa Eclair de Génie (delícias caras, mas
dignas, pelo menos, de experiência). Perdemo-nos pelas ruas e praças,
descobrindo as famosas casas de uma aristocracia esquecida, observando as
montras aliciantes e bem cuidadas, até chegarmos à Rue des Rosiers, onde
paramos para almoçar algo diferente. Seja um falaffel num dos restaurantes que
se afirmam os melhores de todos, sempre nas janelas viradas para a rua, nos
quais pedimos o que queremos para comer sentados num degrau de mármore ou num
banco do jardim da Place des Vosges, ou uma sandes de Pastrami, na famosa (e
fantástica, digo) loja de delicatessen Yiddish Sacha Finkelstein, terminamos
sempre com um Sernik, simples ou de sabores, no espaço de fachada amarela.
Adoro os almoços “maraisianos”.
De barriga cheia e alma contente, as energias estão
recarregadas para visitar uns espaços de arte e história do bairro. O Musée
Carnavalet, aberto ao público de terça ao domingo, com entrada gratuita na
exposição permanente, é um espaço fantástico para aprendermos mais sobre a
cidade da luz, através de pinturas, maquetes, objectos contadores de uma
realidade passada, em salões e quartos outrora refúgios de alguém. Famoso,
normalmente. Podemos, ainda, aproveitar para visitar a casa de Victor Hugo, na Place des Vosges, intacta e
com os móveis ainda no lugar, inspiradores de histórias e estórias de uma vida
eterna. A entrada para as colecções permanentes é igualmente gratuita.
Quando o sol se começa a pôr, nada melhor do que terminar o
dia com a travessia do Sena por uma das pontes que separam o Marais da Ilha de
Saint Louis, romântico, certo, mas, acima de tudo, regenerante e enternecedor,
para encontrarmos uma gelataria de tradição, onde provamos dos melhores gelados
artesanais que já comi, a Berthilon. As bolas são mais baratas do que a cadeia
multinacional da Haagen Daz, menores também, mas confesso que saboreamos a
mestria de uma casa de excelência. E isso faz toda a diferença.
A deliciar-nos pela rua, independentemente da temperatura,
chegamos à sumptuosa Notre Dame, cujos sinos à hora certa nos lembram estórias
de amantes e ciganas, de paixão e humildade, luta e sacrifício. Paramos à
frente da catedral, musa de artistas ao longo dos tempos, e, naquele estado de
contemplação terminamos o dia e regressamos a casa. Horas em cheio, mas com uma
satisfação por, nelas, termos feito parte e conhecido mais um pouquinho daquilo
que é a vida de domingo de uma das cidades mais grandiosas do Mundo.
Fontes:
- http://en.wikipedia.org/wiki/Le_Marais
- http://maisonsvictorhugo.paris.fr/fr
- http://www.musee-rodin.fr/
- placas de informação histórica, junto dos monumentos, espalhadas pelas ruas.
Amei o post <3 quero voltar porque ainda me falta conhecer tantaaa coisa do que aqui mostras <3 Beijinho
ResponderEliminarUma das belezas destas cidades grandes é que, quando achas que conheces bem, há todo um mundo que desconheces. :D Beijinho
EliminarO que eu gostei de um domingo no Marais não tem mesura!!
ResponderEliminar(Correcção: a mãe da tua amiga é que dizia! Ahahaha)
Ahahahah pois era, a mãe dela! :D
Eliminartens de voltar para provar a sandes de pastrami e o gelado!
Ia já, já. Amanhã. Maldito trabalho, raios.
Eliminar(há pouco esqueci-me de dizer: as fotografias estão sublimes!)
Por um bocadinho fui transportada para um hotelzinho na Rue des Archives onde me instalei uma semana, e de onde vi tudo o que consegui, umas vezes com sofreguidão, outras com toda a calma do mundo. O Marais ficou-me na alma. Por isso, e parafraseando a CC, o que eu gostei deste domingo não tem mesura. Obrigada pelo passeio.
ResponderEliminarB. MC
:) De nada. De facto o Marais tem qualquer coisa de especial.
EliminarBeijinho
M.