Quando os olhos se perdiam em histórias fantásticas que imaginávamos nas janelas do prédio em frente, abandonado há muito, mas cujas persianas mais ou menos fechadas nos faziam criadoras do real ficcionado, julgávamo-nos intocáveis, inabaláveis, como se a paz estivesse ali e ninguém pudesse rasgar a fotografia do momento perfeito. Tudo parecia resultar numa facilidade e humor muito nosso, brincando e voando com guarda-chuvas mágicos, alegres e em harmonia como dentes de leão estivais, pelos vendavais que por nós iam passando.
Ninguém que nos visse duvidaria da relação perfeita entre a calma e a tempestade, entre a paz e a intempérie, tão latina, que tornaria a coexistência um misto de gargalhadas e silêncios, todos eles sentidos, todos eles aceites e tão bem compreendidos. Fazem-me falta os degraus cantantes, e as loucuras gastronómicas, e até as sopas de cebola, intercaladas com batidos de banana, num sacrifício, de gigante para as gulodices que somos, só com piada porque partilhado contigo.
Hoje, os mais pequenos pormenores do quotidiano como rodar a chave na porta ou olhar o reflexo que não reconheço ao espelho se tornam demasiado solitários, sem alguém para ouvir os meus devaneios de musa perdida. Sabíamos de antemão que o futuro chegaria, e que a dupla, ou até mesmo o trio ou quadra que se juntava à volta de um pedaço de ambrósia quente, seria impossibilitado, por caminhos agrestes, de repetir a sazonalidade dos encontros. Nunca o negámos.
Mas, e os murmúrios das divagações nocturnas no sofá, quem as ouvirá agora? Quem melhor para as ouvir? Quem desligará a massa que ficou por cozer? O Mundo é nosso, e sempre será, e o no meu sempre estará o teu, como parceiros fiéis em batalhas de Tolkien, cujos exércitos virão em defesa sempre que necessário. Somos elfos, humanos e anões, todos juntos, todos contra as nuvens que às vezes se tornam demasiado carregadas de tudo o que é mau para desaparecerem sozinhas.
Ter-me-ás, lealmente, para sempre.
*devaneio escrito outrora, mas novamente partilhado. Porque uma pessoa é mais do que uma coisa só e há momentos, ficcionados ou não, que merecem o seu espaço. :)
Caraças, que até me vieram as lágrimas aos olhos, deve ser uma espécie de alergia.
ResponderEliminarTenho uma queda por parcerias vitalícias, eu, e revivi tudo de que falas, em contextos que não os que pintas, com outros protagonistas. É por isso que adoro palavras e a sua capacidade de dizerem o que quer dizer quem as escreve e o que quer ler quem as lê.
:D De facto, as palavras podem dizer e dizem tanta coisa, que me custa imenso ver pessoas a jogá-las ao vento como se de qualquer coisa banal se tratassem.
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