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sábado, 14 de junho de 2014

Devaneios | A Abertura da Copa e os costumeiros azedumes

A abertura da Copa, ou Mundial, no Brasil foi anteontem. Muito se falou sobre o que deveria ter ou não acontecido, muitas manifestações se fizeram sobre variadas lacunas (umas mais graves do que outras) do país. Reivindicações, transportes parados, vozes zangadas a maldizer Dilma e o governo. Mas ela veio, está para ficar até dia 13 de Julho e o país, esse, vestiu-se de amarelo, faz folga em horário de jogos, torce pelo onze canarinho, entusiasmado, de coração no peito, com o costumeiro fervor. E a vida vai, animada. Contestações, existem, mas uma minoria, cujo valor é, para mim (que isto opiniões há muitas e cada um tem a sua) questionado pelos inúmeros mascarados que decidem vandalizar espaços, carros, num acto mais de brutalidade inconsciente do que de luta por algo bom, por um país melhor, mais justo, mais igualitário. E, no meio disto tudo, entre calor futebolístico e contestação violenta, há aquelas vozes que criticam porque sim, porque o fariam independentemente de tudo, porque é preciso criticar. O Público publicou um texto desses (e eu continuo sem entender o critério do jornal do qual francamente costumava gostar), indignado com a qualidade da dita abertura, e eu não consigo deixar de escrever o quanto esse meio, de gente que não sabe sequer o que é que critica, nem contra quem, me diverte. 

Vejamos, as cerimónias de abertura de eventos do género, evento este com um comité organizador internacional, no qual a voz dos países anfitriões fica, muitas vezes, calada, nunca são brilhantes, dignos das acrobacias do Cirque du Soleil. Nem têm de ser, para mim, que o mais importante do Mundial são os jogos, não os espectáculos adjacentes. Contudo, as críticas à prestação do Brasil foram mais que muitas; porque foi pobre, porque tinha gente vestida de plantas, porque não foram buscar o ânimo do Carnaval ou porque os gringos oficiais a cantar não o fazem tão bem quanto uns brasileiros fariam (e tantas mais...). Já estou de sorriso em riste que isto do ser humano rezinguento diz-se que é coisa de português, mas cada vez mais acho que estamos muito bem acompanhados. Então, pensemos um bocadinho, por partes. 

Se o espectáculo tivesse a pompa e circunstância de Sochi, lá viriam as vozes contra o dinheiro gasto pela Dilma (coitada, tem que ter umas costas largas!), em vez de o usar em escolas, saúde e afins. Eu não sou brasileira, mas pelo que já me apercebi, estamos a falar de orçamentos, receitas e bolsos diferentes, um não implica o outro. Contestação sim (afinal, ter a atenção mundial voltada para o país não é coisa frequente), mas foquem o ângulo, que está meio difuso. Desde a batalha naval que eu já aprendi que acertar na água nunca ganha o jogo a ninguém. Portanto, pareceu-me uma abertura à medida do que é. Nem mais, nem menos. 

As plantas e água infantis... ah, a melhor crítica, sem dúvida... Se fosse na Broadway, num espectáculo do Rei Leão, com animais e plantas, ou no dito espectáculo do famoso circo, era uma decoração magnânima, deslumbrante, com caracterização maravilhosa. No Brasil, na abertura da malfadada Copa, diz-se vergonhoso, digno de festinha infantil, de fazer desligar a televisão dos mais sensíveis a terror nocturno e comiseração alheia. Como o ser humano é engraçado! No espectáculo, que, se fosse à noite, teria a seu favor a fraca iluminação para lhe dar o ar místico tão procurado, o Brasil tocou de leve as suas raízes, mostrou que é mais do que mulheres nuas no Carnaval e que tem orgulho de ser terra de índios, europeus, africanos, e toda a mistura que por aqui vemos. Ligo aqui à outra questão. Queriam pôr mais uma vez os carnavalescos à frente do espectáculo ao mesmo tempo que criticam os estereótipos? Não vêem que aí há um paradoxo? O Brasil mostrou que tem outros sons, que é mais do que uma terra colonizada, que abraça os que estavam e os que para cá vieram. Os primeiros que apareceram de barco e os segundos pela multiplicidade de sons, danças, cantares que vimos a seguir. O Brasil é terra só de samba e mulheres com plumas e pouca roupa?! Não! E mostrou-o na cerimónia para quem quisesse ver. Mostrou, a nós, os gringos (que eu descobri há pouco tempo que sou gringa, e nunca me tinha apercebido disso) que para aqui estamos, e que crescemos a olhar para esta terra como de gente promíscua (desculpem-me a franqueza, mas quem não ouviu um comentário destes?). Tem tradição, tem história, tem uma identidade, ou várias, que são daqui, são deles, que não são iguais aos outros, aqueles, que o colonizaram, e que hoje voltam como convidados, apenas, para assistirem ao desporto que, quer se queira, quer não, une vontades, democratiza vozes, nos torna, por momentos, iguais (ou quase). Hoje, o Brasil é o anfitrião, de cabeça erguida, orgulho no que conseguiu até hoje, apesar de tudo, que recebe os que outrora o invadiram, já que, como diz a Cláudia Leite: “Quando eu chamo o Mundo inteiro para jogar é para mostrar que eu posso”. Só eu me apercebo do poder desta frase?

As únicas críticas às quais também me junto (e não, não é para falar de um playback que nem existiu, julgo) tem a ver com os cantores oficiais e com a falta de importância dada ao exoesqueleto. Sim, o Brasil tem vozes e compositores poderosíssimos, capazes de criar uma música oficial melhor, muito melhor, que falasse a nossa língua (e não o espanhol, oh meu deus, porquê o espanhol? Contra os estereótipos de muitos países, o Brasil não é hispânico, minha gente, não é.). Até entendo a música em inglês, afinal, é um espectáculo mundial (por mais que eu seja adversa ao poder dos anglófonos, mas isso seria tema para todo outro post), mas que tal darem mais voz aos nacionais? Já me explicaram. É uma lógica puramente comercial; o Pittbull e a J.Lo vendem mais do que outros, e a Sony e a Fifa só estão preocupadas com isso, e, quanto à tecnologia que permite a um paraplégico chutar uma bola, a ciência não é mediaticamente atractiva. É triste. Mas aqui entra a minha veia contestatária que se revolta contra a importância do capital no Mundo. Entendo, mas não quero que essa seja a lógica vigente. Pronto. 

Já me alonguei mais do que previsto, mas, que fazer, se o azedume alheio me incomoda, especialmente quando vem de um terreno fértil em fundamentos cheios de lugares comuns e argumentação tosca e sem sentido. A crítica é válida e todos temos o direito de nos expressar, mas convém fazê-la de forma minimamente consciente. A abertura da Copa não foi assim tão má quanto a pintam, especialmente porque foi exactamente aquilo que tem de ser. O Brasil começou bem no espectáculo, que vale o que vale, e no jogo (que poderia ter sido melhor mas enfim, ganhou). Tenho dito. Crucifiquem-me!

2 comentários:

  1. Parabéns pela escrita brilhante que resume o momento atual, sem nenhuma distorção da realidade.
    Priscila

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  2. Nem me manifesto porque ainda não vi ponta do Mundial.
    Mas sei os resultados dos jogos, que são basicamente o que me interessa. :)

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