Tradições de casamento

por Carol Vannier 

A Salinha está em clima de casório, e não há festa importante sem tradições culinárias!

Vamos começar por uma tradição bem da terra da noiva, os arredores de Coimbra, que é a de dar arroz doce antes do casamento. Dá-se aos vizinhos e pessoas da região que se conhece e se quer agradar, mesmo que não façam parte da lista dos convidados (por questões práticas, não se pode convidar todo mundo!) e também aos convidados do casamento (os que confirmaram e os que não podem ir).

As travessas de arroz doce são distribuidas duas semanas antes do casamento, ou mais em cima da hora dependendo da organização de cada um, e têm tamanhos que variam de acordo com o grau de proximidade e com o número de membros da família que a recebe. Na hora de devolver a travessa, é comum deixar um presentinho, seja em dinheiro, seja em artigos para casa.

O arroz doce pode ser encomendado de doceiras ou cozinheiras, e os mais tradicionais são feitos com arroz do arrozal próximo, leite da ordenha, limões do quintal (não comprados) e açúcar e canela. Nada de ingredientes mirabolantes, e tudo bem orgânico ;) 

Esse arroz do arrozal é do tipo carolino, plantado nos estuários do Mondego (que passa por Coimbra), Tejo e Sado, e é o arroz que se usa normalmente em Portugal tanto para o arroz-doce como pra outros pratos que ainda ei de explorar por aqui. Mas na falta do carolino, precisava escolher um arroz pra usar.

Perguntando por aí, ouvi que qualquer arroz servia pra arroz doce, mas eu tinha o palpite que o ideal seria usar variedades de arroz que também se prestam a risottos. Pesquisando mais um pouco sobre o assunto (acabei lendo ficha técnica fornecida por empresas agrícolas!) deu pra ver que existem dois grandes grupos de tipos de arroz (que são na verdade sub-espécies): os indica e os japonica.

Os indica têm grãos mais compridos e em geral são os que se usa pra fazer arroz "soltinho" (exemplos: agulhinha, basmati...). Eles ficam mais soltinhos porque costumam ter um teor de amilose maior*. Já os japonica têm grãos arredondados e são usados para receitas em que se quer mais cremosidade ou viscosidade, como risottos e sushi (exemplos: cateto, carolino, carnaroli, arbóreo, bomba, koshihikari...) e costumam ter um teor mais baixo de amilose. Mas isso não é regra. O bomba por exemplo, que é a variedade espanhola que se usa na paella, tem um teor de amilose razoavelmente alto, e de fato a paella não é super cremosa. Pra "soltar o amido" é importante dar uma mexida no arroz, como se faz no risotto, só que na paella o arroz cozinha quieto, o que também deve ajudar a não ficar grudento.

Então resolvi usar o arbóreo mesmo, mas depois vou testando com os japoneses e o cateto (se eu achar dele sem ser integral). Para decidir por uma receita, fui pesquisando e vi que em Portugal o mais comum é o arroz doce que leva, além dos ingredientes que eu mencionei acima, também algumas gemas. (As gemas em PT parecem tão obrigatórias nos doces quanto o leite condensado no BR!) Só que justamente na região de Coimbra ele é mais semelhante ao brasileiro, bem branquinho e sem gemas. E achei ainda um blog dedicado somente ao arroz doce! Foi dele que peguei a receita que mais me agradou ao ler, e acabou me agradando na boca também!

ARROZ DOCE  

Ingredientes:

1,5 litro de leite (Usei aqueles que vêm no saquinho, que são mais saborosos. Poderia ter usado um tantinho a menos de leite, acho que vai do gosto de cada um)

1 pau de canela

raspas da casca de 1 limão (bem lavada)

200 g arroz arbóreo (ou outro japonica)

200 ml água

1 pitada de sal

150 g açúcar (usei +- 200 g / 1 xícara, ficou bem docinho)

40 g manteiga (opcional, eu não usei)

canela em pó

Preparo:

1. Colocar o leite numa leiteira para ferver, junto com o pau de canela e a casca de limão.

2. Numa panela de fundo grosso, colocar a água, o arroz e uma pitada de sal. Cozinhar o arroz em fogo brando até a água evaporar ou até o arroz se apresentar al dente (mal cozido). 

3. Adicionar o leite (já fervido) ao arroz, pouca quantidade de cada vez: o arroz deve absorver o leite antes de o voltar a adicionar, como num risotto. Mexer constantemente com a colher de pau. Prove o arroz para garantir que ele atingiu o ponto de cozimento ideal.

4. Por fim, juntar o açúcar e deixar cozinhar durante 5 minutos em fogo alto até que o açúcar se dissolva bem.  

5. Após retirar do fogo, se desejar pode adicionar a manteiga para que o arroz fique mais cremoso. Colocar em travessas ou taças, decorando com canela em pó. Use um descanso de panela daqueles furadinhos, ou uma renda, para polvilhar a canela formando um desenho.

*Eu me lembrava vagamente das aulas do colégio em que aprendi que o amido era uma macromolécula dentro do grupo dos carboidratos, mas a gente sempre ouve falar de "amido disso" e "amido daquilo" (milho, mandioca etc) e não fazia sentido pra mim, porque eu achava que todo amido devia ser igual, se era a mesma molécula, só que eu via que eles não eram iguais... E não são mesmo! Dependendo da fonte do amido, ele tem proporções diferentes entre os seus dois constituintes básicos, a amilose e a amilopectina. E a amilopectina é a parte que absorve mais água e dá viscosidade. Por isso o arroz com mais amilopectina, e menos amilose fica mais empapado e mais cremoso. Isso também me fez lembrar da pectina das frutas, que deve ser uma molécula parecida, que faz as geléias serem gelatinosas, mas que depende da fruta ter um teor maior ou menor de pectina.