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quinta-feira, 7 de maio de 2015

Maternidade | O meu parto supersónico

(Depois de alguns pedidos, aqui vai um relato do meu parto ao pormenor. Gente grávida, não temeis. Esta minha experiência foi a excepção que confirma a regra, não quero com isto assustar ninguém. Se forem mais impressionáveis e têm um parto para breve, não leiam por favor, não quero aumentar o nível de ansiedade de ninguém.)
foto:celebbabylaundry.com
Enquanto pessoa cronicamente ansiosa, tento contornar os momentos de pânico com informação. Sobre tudo, sobre todos, para que, numa situação desconhecida, eu já tenha ferramentas para reconhecer onde estou e o que devo fazer. Podem chamar-me nerd, control-freak, e tantas outras coisas (acreditem, já ouvi de tudo!), mas cada um sabe os mecanismos aos quais deve recorrer para se sentir bem. A gravidez, sendo a primeira, foi um desses momentos cheio de inesperados,  de desconhecidos, para os quais tentava estar minimamente preparada informando-me. Não que faça do que leio/sei/aprendo regras inflexíveis. Pelo contrário, gosto de saber onde me movimentar  para, inclusivamente, me movimentar melhor. Quase como na dança, deve-se saber a técnica para depois a podermos desconstruir e ultrapassar os seus limites.  

Por isso, fui, toda contente e aplicada, às aulas de preparação para o parto, duas vezes por semana, na maternidade a 45 minutos de carro da minha casa. Li artigos, pesquisei fóruns, pedi testemunhos, e vi inclusivamente vídeos no Youtube (não aconselho a ninguém!). Tudo, para não chegar o meu momento do parto e eu sem saber o que fazer. "Respirar, encher a barriga num balão, expirar devagar como se estivessem a inclinar uma vela", incorporei eu, para as longas horas de trabalho de parto que, segundo todos os profissionais, era o que me esperava como mãe de primeira viagem. Risos era o que eu obtinha sempre quando perguntava se iria ter tempo de chegar à maternidade, com a tal quase hora de viagem. "Depois da primeira contracção ainda terá muito tempo, menina, pode esperar em casa, venha só quando as contracções estiverem próximas, não venha de véspera!", respondiam. E lá estava eu, toda confiante, de que teria todo o tempo do mundo e que, com a epidural não se sente nada que "até podes estar a ler revistas e tudo!".   

Como se passou então? Como previsto? Claro que não. As semanas completavam ao domingo e, na terça feira da 37ª (semana na qual eu sempre disse que ele nasceria), lá fui eu à médica que mediu 1,5 cm de dilatação, num colo mole, que se daria facilmente à abertura. Contudo, a previsão de nascimento seria com certeza para a semana seguinte, dados todos os sinais. Fui para casa, fechei de vez a mala do petiz, e deixei para o fim de semana os últimos preparativos, nomeadamente os electrónicos e alguma roupa minha. Ainda não tinha tido qualquer contracção de treino, as famosas Braxton-Hicks, o tal "rolhão" mucoso e sanguinolento não tinha dado qualquer aviso que iria sair, enfim, nada apontava, efectivamente, para que a criança nascesse entretanto. 

Já em descanso forçado por ordens da médica, passei a quarta feira nauseada, o que poderia ter a ver com a azia constante dos últimos meses ou com qualquer das muitas coisas que eu comia. A fome que eu senti nos últimos três meses não teve explicação. Comia uma tira de dez ossinhos de entrecosto sozinha e conseguia comer mais, não me travasse eu.  Não foi, portanto, nada ao qual eu ligasse muito (até porque não tinha lido em parte alguma que se enjoava um bocadinho na véspera do parto). 

Às cinco da manhã de quinta feira acordei com uma dor e um mal-estar estranhos. Sabendo que poderia ser o trabalho de parto, fui tomar um banho e vestir-me. Acordei o F., disse-lhe que podia continuar a dormir porque tinha tido uma dor mas ainda queria tomar o pequeno almoço e supostamente a segunda contracção poderia demorar horas a vir. Tinha acabado de torrar o pão e veio outra dor, mais forte ainda. O F. já em pé, começou a contar o intervalo. Quinze minutos, uns míseros quinze minutos. "Não deveríamos estar já em Coimbra com este intervalo?!". Fui à casa de banho e eis que o tal muco com sangue tinha começado a sair também. Agarrámos o que nos lembrámos; tablet, máquina fotográfica, telemóveis, carregadores, tudo num daqueles sacos pretos da Space.nk e "vamos lá que agora a dor voltou em dez minutos!".

A viagem de carro, feita de madrugada e com as estradas vazias (felizmente!), pareceu-me maior do que as 14 horas Coimbra-Paris que tínhamos feito no ano anterior. No caminho, inclinei um bocadinho o banco, para me sentir mais confortável, fiz a respiração do ioga (que me valeu imenso neste momento para não entrar em taquicardia) e evitei olhar para o relógio, que as contracções já vinham em intervalos de 4 minutos. Confesso que, naquele momento, a única coisa que queria era entrar na maternidade e deixarem-me fazer o que quisessem. O que eu não queria era ter a criança ali, no carro. Até os semáforos vermelhos passámos, com os quatro piscas ligados, que não era tempo para regras de trânsito (que não pusessem ninguém em risco). 

Cheguei à maternidade com dores incríveis e a ponderar seriamente entrar numa cadeira de rodas. A respiração é boa, mas não alivia a dor. Pode até atenuar, acredito, mas eu, com muito pouca tolerância à dor, achei que aquilo não estava a fazer efeito algum. Ao ponto de, segundo o F. (que nesta altura eu já não era eu (nem o outro, nem qualquer coisa de intermédio, diria o poeta), entrar pela urgência a pedir epidural ao segurança. Muito glamour, elegância e sensatez, como podem ver. 

Da equipa que me recebeu só tenho bem a dizer. Mediram a minha dilatação -- 3,5 cm, normal -- prepararam-me para subir para a sala de parto, e fizeram-me uma série de perguntas às quais eu respondi meio em modo automático. A determinada altura, o F. já tinha entrado e já tratava ele de tudo por mim, que eu andava de um lado para o outro feito barata tonta, a aguentar a dor, a libertar gases e a vomitar o pão que eu não tinha comido. "Parto vomitado, parto apressado", tentava confortar-me a médica, e eu de balde de cartão improvisado na mão, suor frio na cabeça, de bata da maternidade, cabelo despenteado e ar desnorteado. Sem esquecer todos os aromas que exalavam do meu corpo, desde o sangue, ao suor, aos gases, ao vomitado. Não, minhas senhoras e meus senhores, não foi um momento bonito, cor de rosa, especial de se ver, não foi, não. Nem eu me senti, naquele momento, uma luz eterna de radiância suprema por estar prestes a fazer nascer um ser do meu corpo gracioso e mágico. Nada disso!

Naquele momento, às sete da manhã, estava tudo encaminhado para ainda umas horas pela frente, já na sala de trabalho de parto, na qual me dariam a epidural e controlariam as contracções. Entre momentos de contorcionismo de dor e gritos (que sou muito pouco contida nestas situações, temos pena), de preparação para a analgesia, e de mudança de turno da equipa médica, lá estava eu, acompanhada de uma ou outra enfermeira. O pai da criança só pode entrar depois da mãe estar preparada para esperar o parto. Ninguém acreditava que, passada meia hora de dar entrada, a dilatação já estivesse completa e o bebé A. já estivesse prontinho para sair. 

Foi quando eu comecei a gritar que a sensação de expulsão de algo já era demasiado forte que me deram mais atenção. Uma das enfermeiras agarrou-me nas pernas, de lado, fechadas, e disse para eu aguentar. Naquele instante queria mandá-la passear, que o meu corpo já tinha vida própria e contraía sozinho, sem que eu mandasse nele... ela que aguentasse o dela! Mas calei-me, concentrei-me no momento e pensei que não tarda nada teria a epidural e tudo ficaria mais fácil. Foi no corre, corre da equipa, que entretanto se apercebeu que o expulsivo já tinha começado, que entrou a anestesista e se apresentou da melhor forma que uma pessoa, naquela situação, quer ouvir: "Bom dia, eu sou a anestesista que lhe ia dar a epidural...". Nesse instante tenho a nítida noção que rangi os dentes, abri os olhos e disse: "Como ia?! Já não vai?!". Não havia tempo. Propuseram-me uma pequena analgesia local, a raquidiana, momentânea, com um curto tempo de actuação. Aceitei de imediato, que naquela hora tudo o que me proporcionasse uns minutos sem dor, para respirar um bocadinho de alívio, seria bem-vindo. E assim foi. Durante uma hora lá estive eu a recuperar as forças, já com o F. ao lado a mandar-me respirar e a enviar pontos de situação pelo whatsapp a várias pessoas. Agora era só aguardar que a cabecinha do A. se visse, o que aconteceu no momento em que eu já sentia tudo e a dor voltava. 

O parto em si foi rápido e muito mais simples do que eu achava que iria ser. Muito à National Geographic, se me permitem a imagem. Agarrada a uns ferros, eu fazia força sempre que vinha a dor e ajudava ao máximo o bebé a descer. A cama já estava preparada, a equipa a postos e assim que o pai voltou à sala, eis que sai o A., o líquido amniótico, a placenta, e tudo o que andava por ali. A barriga esvaziou e a equipa saiu ficou prontinha para ir para debaixo do chuveiro. 

Não fiz episiotomia, o tal corte lateral para ajudar o bebé a sair, porque também não houve tempo, mas rasguei um bocadinho. A médica, depois do parto, estando já o bebé em cima de mim para o contacto pele a pele, tentou suturar sem anestesia porque, dizem, a adrenalina do bebé em cima ajuda. A minha deve ter feito greve nesse dia porque senti tudinho. Lá me tiveram de dar uma anestesia local injectável (coisa fraquinha, fraquinha), para ver se conseguiam terminar o trabalho minucioso sem que eu pusesse lá a mão constantemente (sim, eu sou muito pouco disciplinada quando estou com dor). 

Às 09:38, quatro horas e meia desde a primeira contracção, em casa, passando pela viagem e uma hora a relaxar com a analgesia momentânea (sem a qual, segundo a médica, teria sido ainda mais rápido o processo), nasceu o A., com 48,5 cm e pouco mais de três quilos, e num choro grave e baixo, muito diferente do que vemos nos filmes, coberto de vérnix e sangue. Mais uma hora de pele a pele, maravilhosa, e fomos para o quarto. Não me esqueci da dor, não me tornei de direita (como tanta gente dizia que me aconteceria), não deixei de ser quem sou naquele momento, mas passei a ser mais. A ter mais um papel. 

(48 horas depois viemos os três para casa e a recuperação terá direito a todo um outro post. Adianto já que foi simples também.)

2 comentários:

  1. Não tenho filhos e por enquanto não tenho intensão de ter, mas minhas aflições são grandes. Sei que o parto normal é o mais adequado e também o que vou optar - quando tiver grávida, mas mesmo assim o medo da dor e grande. Embora cada caso seja diferente pelo menos eu não consigo tirar essa sensação de medo.
    O seu até certo ponto foi "tranquilo", se levar em consideração outros tantos relatos que ouvi.
    Saúde pra você e pro bebê.
    Beijos.

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    Respostas
    1. Cara Dany, eu tenho uma tolerância à dor baixíssima -- as idas ao dentista são sempre uma aflição -- e, apesar de tudo, aguentei muito bem. Portanto, se eu consegui, acredito que qualquer pessoa consiga. Sem medo. :)

      Obrigada!
      Beijinho

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